Sabem quando a preocupação é tanta que nem conseguimos
chorar? Quando o sentimento de impotência se sobrepõe a qualquer lágrima
narcisista que naquele momento nos diz que nada mais importa a não ser a pessoa
que temos à nossa frente, naquela cama de hospital? A roupa para passar a ferro
pode esperar, o jantar pode esperar, o Mundo pode esperar.
E à nossa frente encontra-se aquela pessoa de olhos
vidrados, sem reação, numa fugaz memória da mulher forte que uma vez foi.
Continua a ser a mesma pessoa, sem ser a pessoa que era.
Qualquer pergunta que
fazemos, fazemo-la sem grandes expectativas de obter resposta, apenas para
conforto próprio de que estamos de fato ali.
No quarto ao lado ouvem-se os
gritos duma qualquer outra mulher desdentada e desesperada, toda ela dores e
doenças.
Para mim, qualquer outra mulher, mas para outra pessoa, também ela a
razão pela qual nem se consegue chorar de tanta preocupação.
É costume dizer-se que nada nos prepara para sermos pais,
que são os filhos que nos ensinam a serem pais.
Mas o que não nos ensinam mesmo
é a sermos filhos de pais envelhecidos.
Queremos salvá-los deles próprios,
impedir que o corpo ceda mais rápido que a cabeça, ou que a cabeça ceda mais
rápido que o corpo, mas não há como.
E o tempo passa a correr.
O meu pai já nem parece o mesmo.
Também ele não chora de tanta preocupação.
A mulher com quem passou a vida
toda, a quem prometeu amar na saúde e na doença, ali está, doente.
E ele, a ficar
doente sugado pela doença da mulher que ama, mas que já não reconhece.
Quando o
amor passa a pura e constante preocupação torna-se numa forma estranha de amar,
e o desespero leva-o a fazer coisas irreconhecíveis.
Também ele é a mesma
pessoa sem ser a pessoa que era.
Muito mais magro, muito mais pálido, muito
mais triste.
E nada nos prepara para isso.
No hospital, outras pessoas esperam umas mais preocupadas,
outras mais aliviadas.
As ambulâncias vão chegando, uns choram, outros gritam,
outros olham o vazio, e há sempre quem esteja a tentar perceber o que é que se
passou com cada um deles.
Quem morreu, quem não morreu.
Esta é a dinâmica da
sala.
Não há conversa de ocasião que se possa fazer, não importa o tempo, a
política, futebol ou religião.
Importa apenas aquela pessoa que amamos e que
queríamos recuperar, voltar a vê-la, forte e saudável como ela era.
O mais triste é quando chega o luto antecipado.
Aquela
réstia de esperança que na verdade já nada espera.
É quase como que aguardar
pela autorização de poder chorar.
E pior de tudo é saber que, quando a barragem
que contem as nossas lágrimas finalmente rebentar e estas correrem
incontroláveis pelo nosso rosto abaixo, sabermos que choramos em pranto num
misto de tristeza e alívio.
Isso é o mais triste, a noção de que a pessoa está
melhor assim, inexistente enquanto que nós, os que continuam mortais, aqui
ficamos, na merda.
Nunca ninguém nos preparou para isto, nunca a sociedade se
preparou para isto.
O nossos líderes falam em envelhecimento ativo e saudável,
mas falam por ocasião, não por genuína preocupação, porque na verdade a forma
como olham e tratam os velhos poucos lhes importa. Importa-lhes não terem dores
de cabeça ou escândalos que possam manchar as suas ambições políticas.
Vemos
isso quando estamos desesperados, no corredor das urgências, tudo é treta.
A forma como as pessoas são tratadas não difere muito da
maneira como se tratam os refugiados.
Agregam-se as pessoas idosas e doentes
todas num sítio comum e estas passam a ser apenas mais um nº para as
estatísticas, onde ninguém realmente se importa a não ser a própria família, e
por vezes nem isso.
REVISTA REVIVER
Interessante, verdadeiro e emocionante! Bem assim mesmo! bjs, chica
ResponderExcluirOlá, querida Eliene!
ResponderExcluirA REVISTA REVIVER escreveu uma artigo verdadeiro e fantástico. 11 valores.
Nem sociedade, nem governo, nem hospital e nem filhos, infelizmente, querem saber e entender o k é ser velho e doente. Creio que na maior parte dos casos, é pura e simplesmente, pke não querem mesmo.
Destino de coisa velha, "inútil" é lixo.
Beijos e abraços.