Mensagem do dia

03 maio 2019

Um breve inventário de suspiros lá na minha terra.


Lá eu comi, rezei, amei.
Provei pititinga, umbu, mangaba, baião de dois, carne de fumeiro, farinha em todas as refeições.

Aprendi que punhetinha não é sem-vergonhice masculina, é o doce com canela mais bonito dos tabuleiros.
Manchei meu vestido de dendê.
Vesti branco para Oxalá nas sextas.
Vesti sol.

Vi o Ilê Ayê subindo a Ladeira do Curuzu, pensando que ele é mesmo O Mais Belo dos Belos. Recebi Nana como meu novo nome.
Calcei percatinhas na Ladeira do Couro.
Escrevi sete cartas de saudade e algumas dezenas de bilhetes.
Segui sambando, já que quem tem fé vai a pé, os oito quilômetros da Conceição da Praia até a Colina Sagrada, pedindo bênçãos ao Senhor do Bonfim nas escadarias banhadas com água de cheiro.
Descobri que “eu te amo você” é a melhor frase que uma boca pode pronunciar.

Fui ao Vila, velho! para aplaudir o teatro antropofágico.
Avistei caravelas sentada no topo do Morro do Cristo, mas era miragem.
Estudei o inestudável. Saí da fossa xingando em nagô.

Levei mudas de ipê e sibipiruna para plantar no Passeio Público. Pensei que esta cidade, feito a vida da gente, é caleidoscópica.
Fui pedida em namoro com o colar azul dos filhos de Gandhy. Aceitei.
Dancei forró em um quarto vazio.
Entendi que Magalhães é um sobrenome com passaporte ao céu e ao inferno.
Levei um puta dum calote.
Espiei a filmagem de uma cena de Ó Paí, Ó.
Soube que chegaria a hora de voltar pra Belo Horizonte.
Soube que meu namorado se mudaria pra Brasília.
Pesquisei a distância entre Belo Horizonte e Brasília.
Aprendi a lidar com mapas.
Tomei sorvete de coco queimado, mel e gengibre, nata goiaba, martinique.
Fiquei mordida de inveja todas as vezes em que ouvi Toda Menina Baiana e prometi a mim mesma que hei de ser mãe de uma.
Aprendi a gostar de pôr do sol.

Descobri que em 1668 um galeão naufragou perto do Rio Vermelho e que encontraram um pingente de azeviche, decerto de um marinheiro, com Luysa gravado dentro de um coração.
Me senti como Luysa, esperando um marinheiro no cais.
Chorei por Luysa e pelo marinheiro, quase 350 anos depois.
Compus uma canção sobre Luysa e o marinheiro.

Assisti à missa das dez do domingo no Mosteiro de São Bento, muito tentada a pecar ao som do canto gregoriano dos monges.
Vibrei música na Concha Acústica.

Conheci a santa palavra de Edson Gomes e também chamei a liberdade de Lili, dona Lili.
Conheci gente de derreter o peito.
Entendi que sou jovem, morena, cintura fina e quadris largos, e que este é o maior milagre temporário que existe.

Brinquei o carnaval do Pelô nas ruas de pedras de dor e alegria. Espirrei durante um dia inteiro, alérgica e alegre, nos sebos e antiquários da rua Rui Barbosa.

Gritei “bora Bahêa” esperando alguém completar com “minha porra”. Joguei flores nas águas na aurora do 2 de fevereiro para saudar Iemanjá, Inaê, Janaína, Dandalunda, Princesa de Aiocá, invocando todos os seus nomes.

Ouvi blues no D’Veneta.
Olhei nos olhos da morte depois de beber Príncipe Maluco.
Temi o mar. Desejei o mar.

Misturei cheiro de sal ao meu cheiro de minério de ferro.
Mas, sobretudo: houve (e há) um baiano comigo.
“Porque ainda que eu cantasse como Maria Bethânia e guerreasse como Maria Quitéria, ainda que eu cozinhasse como Dadá e pintasse como Carybé, ainda que eu falasse a língua dos homens e falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria.”  

Quer saber onde é lá?
Só pode ser em Salvador/ Bahia. 
(MARIANA CARDOSO DE CARVALHO)


2 comentários:

  1. No meu arco-íris encontrei você e adorei seu folhetim com tantas preciosidades da sua terra! Beijos!

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  2. Nas minhas andanças encontrei você Lya com sua prosa boa da bela Bahia que dá gosto ler
    Beijinhos minha querida

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Para você tudo de bom e um carinho sempre novo em agradecimento pela sua presença no fim do arco iris. Abraços.

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